HOSPITAL TERMAL RAINHA D. LEONOR EM CALDAS DA RAINHA - Parte I
Cybelle Salvador
Miranda[1]
A cidade de Caldas da Rainha
nasceu junto aos afloramentos de águas termais, de tipo sulfurosas. D. Leonor,
criadora das Misericórdias em Portugal, foi quem decidiu fundar o Hospital
termal, com objetivos assistenciais caritativos, mas tendo em vista também a
necessidade de afirmação do poder real na área que vinha a ser cobiçada pelos
religiosos do Mosteiro de Alcobaça. Construído nos anos de 1480, no local onde havia
ruínas de edifícios romanos, visava o tratamento de doenças de pele e doenças
epidêmicas, que provocavam altos índices de mortalidade.
A construção foi concluída em
1508, sendo o primeiro hospital termal a dispor de consulta médica obrigatória,
enfermeiros e farmacêuticos, sendo regido administrativamente pelo Compromisso
de 1512, ditado pela Rainha (Figura 01). Em termos espaciais tinha forma simples e linear, obedecendo a programa
definido por Mestre António, físico conceituado, pela própria rainha, por
Contreras e pelo Cardeal de Alpedrinha. Espacialmente configurava um corpo
humano, contendo no nível inferior as piscinas, separadas para homens e
mulheres, no segundo nível o corpo principal cuja cabeça era composta pela
igreja de Nossa Senhora do Pópulo, numa visão ligada ao humanismo renascentista
(Figura 02). Contíguas à igreja,
situavam-se as duas enfermarias, dos homens a Sul e das mulheres a Norte, estas
ligadas ao coro baixo da igreja do hospital, separadas apenas por grades de
ferro, permitindo aos doentes receber a comunhão na própria cama, estando
também perto dos banhos. No mesmo nível, no lado oposto, situavam-se copa,
botica e outros serviços. Esta descrição foi feita pelo Provedor do Hospital
até o ano de 1656. Em cada enfermaria existia um oratório com imagem do senhor
crucificado, um painel do santo patrono e uma imagem de N. Srª do Pópulo. O
padrão arquitetônico ficou condicionado a localização das termas, suas
nascentes e sua ação nos materiais construtivos.
Figura 01 - Livro do Compromisso.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
Figura 02 - Igreja de Nossa Senhora do Pópulo interior.
Já no século XVIII, destacam-se
as obras promovidas por D. João V, que alteram a estrutura do edifício,
reforçando as fundações, modificando também a estética e conferindo unidade
espacial ao eliminar os anexos implantados ao longo dos 250 anos de existência
do hospital. Em 1719 é feita a reedificação do Paço real e em 1721 iniciam-se
vistorias que atestam a ameaça de ruína da fachada do Hospital devido a
vazamento de águas, bem como o arruinamento das varandas que rodeavam as
fachadas poente e sul, a queda de um camarote, resultando na necessidade de
também reformar os telhados e os revestimentos dos banhos termais. Assim, a
ação mecenática de D. João V impede o total colapso do edifício do hospital,
designando como responsáveis pelas obras, em 1742, Manuel da Maia e Eugénio dos
Santos. Os serviços foram regidos pelo Tribunal da Mesa de Consciência e Ordens
(MCO) entre 1747 e 1750, quando a Vila das Caldas torna-se um grande estaleiro,
que estimulou sua economia. Supõe-se que
a nova planta do hospital teria sido delineada por Pedro Ludovice e a fachada
foi comprovadamente traçada por Eugénio dos Santos. Salienta-se a encomenda do
medalhão retabular colocado no tímpano da fachada principal que representa o
mistério da Anunciação, prendendo-se ao programa iconográfico estabelecido à
fundação do hospital (Figura 03). Fica a ele também atribuída a reformulação do retábulo da capela-mor da
igreja, antes em madeira, para o atual em mármore, mantendo as mesmas linhas
clássicas do anterior já deteriorado.
Figura 03 - Fachada do Hospital termal.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
No século XIX o Hospital atinge
sua plenitude, devido à preferência da família real e a crescente afirmação da
burguesia que adotava costumes da Europa industrializada, que privilegiava os
programas de convívio social.
Em 1853 o Hospital sofre grave
incêndio, com destruição de ornatos da igreja, sendo a seguir realizadas obras
por responsabilidade do Arquiteto Lucas Joze dos Santos Pereira, autor das
plantas de remodelação dos banhos. Em 1888, D. Luis I nomeia o Arquiteto
Rodrigo Berquó como diretor do Hospital Real das Caldas. Este foi responsável por
sua ampliação, sendo demolida a capela de N. Srª do Carmo e atrofiado o corpo
da igreja do Pópulo. A referida igreja foi classificada como monumento nacional
em 1910, sendo dotada de Zona de Proteção em 1948, mas deixando de contemplar a
classificação da estrutura termal.
O Museu do Hospital e das Caldas
foi inaugurado em 1999 e ocupa o prédio do antigo Palácio Real ou Caza Real. O
prédio, o qual funcionou também como hospital, em 1861 sofreu obras a cargo do
engenheiro Pedro José Pezerat passando a alojamento dos diretores da
instituição e da família real. Hoje, o espaço museográfico reúne peças
importantes que contam a história da Instituição através de obras de arte que
incluem pintura, esculturas, fragmentos arquitetônicos, mobiliário, documentos,
e ambientação que recriam espaços hospitalares no século XIX (Figuras 04, 05, 06 e 07).
Figura 04 - Museu do Hospital e das Caldas.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
Figura 05 - Interior de enfermaria.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
Figura 06 - Mesa de inalação.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
Figura 07 - Cadeira para transporte dos doentes.
Foto: Cybelle Miranda, 2015.
Nicolau Borges destaca que o
Hospital reúne o mais completo e bem conservado espólio técnico, científico,
arquivístico e artístico referente à História da Assistência Médica e
Hospitalar existente na Europa. Em sua dissertação o autor devota-se a
compreender a dimensão do fenômeno artístico no Hospital das Caldas:
A consistência do
programa estético existente no Hospital das Caldas reside exclusivamente na sua
temática, de raiz mariano, profundamente feminino e alegoricamente fundado na
dor, na expiação e na redenção, programa este cuja linearidade e simplicidade
deixa transparecer uma veracidade e simplicidade de princípios, subjacentes aos
vários mecenas, que ao longo dos cinco séculos de existência do Hospital das
Caldas nele deixaram as suas marcas, grande parte das quais se conservam ainda
bem vivas, sob a forma do Patrimônio Cultural e Histórico do Hospital Termal
das Caldas da Rainha (2008. Parte IV p. 8).
Referência
BORGES, Nicolau. O Hospital
Termal das Caldas da Rainha – Arte e Patrimônio, Dissertação (Mestrado em
História da Arte, Património e Restauro) Instituto de História da Arte,
Universidade de Lisboa, 2008. (CD-ROM Edição Centro Hospitalar das Caldas da
Rainha; Museu do Hospital e das Caldas)
[1] Os
textos foram produzidos a partir das visitas de campo realizadas durante o
Pós-doutoramento em História da Arte, na Universidade de Lisboa.
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