O HOMEM QUE ESPALHOU A ARQUITETURA BRASILEIRA NO MUNDO

Por Cybelle Salvador Miranda
Professora FAU/PPGAU/UFPA

Muito embora seja uma das profissões mais antigas do mundo, a Arquitetura ainda é vista como uma atividade de elite, com pouca repercussão na sociedade. Daí a importância que assume o arquiteto Oscar Niemeyer, representante ímpar do métier no Brasil contemporâneo, ajudando a romper barreiras à atividade de planejar o espaço em um país tão rico quanto desigual.
Nas primeiras décadas do século passado, o que se via nas cidades brasileiras era uma variedade de prédios concebidos segundo estilos decorativos de origens diversas, refletindo padrões inspirados na cultura europeia. O ensino da Arquitetura obedecia ainda ao padrão das Academias de Belas-artes francesas, cujos ideais há muito haviam sido suplantados pelas inovações da Escola alemã BAUHAUS, a qual concebia a arquitetura como parte da produção industrial, juntamente com o design de objetos.
Neste contexto, Lucio Costa e Oscar Niemeyer surgem como a grande dupla de arquitetos-urbanistas, a qual irá remodelar a maneira de fazer arquitetura no Brasil. A primeira parceria entre eles deu-se naquele que é considerado o precursor da Arquitetura moderna no Brasil: o prédio do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (1936). Em contraste com o padrão eclético das demais edificações da área central da cidade, este reuniu toda a modernidade que viria a caracterizar a produção de Oscar e seus contemporâneos: uso dos pilotis (colunas cilíndricas) no térreo da edificação, permitindo o livre trânsito de pessoas; aproveitamento do terreno com a verticalização (construção em vários andares), liberando área ao nível do solo; aproveitamento do terraço como jardim, cujo paisagismo ficou a cargo de Roberto Burle Marx. Além da integração das artes plásticas com as esculturas de Bruno Giorgi e os painéis de azulejos de Cândido Portinari. Outra preocupação dos arquitetos era com a ventilação natural, que garantisse conforto aos usuários do prédio: o emprego dos brise-soleil (persianas móveis) proporcionou o abrigo do excesso de luz, sem impedir a circulação do ar.
Nos anos 50 do século XX, o presidente Juscelino Kubitschek planejou a construção da nova capital brasileira – Brasília. Para tão grande empreendimento, foi convocada a dupla Costa-Niemeyer, sendo o primeiro responsável pelo traçado urbano da cidade, em forma de cruz, e a Niemeyer coube o projeto das edificações. A criação de edifícios monumentais como o Congresso Brasileiro, o Palácio da Alvorada, a Catedral, requereu o emprego de um diversificado repertório, sempre apostando nas formas mais simples, de fácil identificação e cujas soluções construtivas aproveitassem bem o material que então se tornara popular: o concreto armado. Este, por sua durabilidade e versatilidade, foi o predileto do arquiteto.
Em virtude de tal encomenda, Niemeyer tornou-se mundialmente conhecido, surgindo então oportunidades para divulgar sua maneira de projetar a arquitetura moderna, de um jeito bem brasileiro, a vários outros países. Destaca-se a Sede do Partido Comunista Francês (1965), a Universidade de Constantine, na Argélia (1969) e a sede da Editora Mondadori – Segrate na Itália, reiteradas vezes empregando a casca de concreto para dar forma a semiesferas que se tornaram símbolos de sua obra. O ‘movimento moderno’ no Brasil, apesar de influenciado por arquitetos estrangeiros como Le Corbusier, adquiriu uma identidade particular, ao ampliar as possibilidades do uso de formas curvas através da plasticidade do concreto.
Por outro lado, a arquitetura moderna teve como ideologia a busca da igualdade de acesso do homem a uma moradia digna, e a boas condições de vida urbana. Para tal, reduziram-se os elementos decorativos nas fachadas e nos interiores das edificações, criaram-se novos padrões de mobiliário, adequados a nova arquitetura, e nesta seara também Niemeyer concebeu produtos de destaque, tal como a cadeira de balanço com assento e encosto de palhinha e formas curvas que até hoje é fabricada. Porém, não acreditava que se possa mudar a ordem social por meio da arquitetura, destacando que esta só pode adequar-se as necessidades humanas quando o contexto socioeconômico for favorável.

Figura 1: Monumento a Cabanagem
Foto: Ronaldo Marques de Carvalho, 2011.

Como arquiteto, Oscar Niemeyer deixou sua marca na produção de obras de grande porte, tanto no exterior quanto no Brasil, tais como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no qual reverte a ideia de que num museu deve-se apenas olhar para dentro, projetando imensos painéis de vidro que se abrem para a paisagem da Baía. Ou na Catedral de Brasília, que simboliza mãos em prece, cujas estruturas de concreto são unidas por painéis de vitrais coloridos, compondo um conjunto com o prédio do batistério, e tendo como abertura a sequência de profetas, sem dúvida uma referência aqueles do mestre Aleijadinho, destacado artista do ‘barroco mineiro’ no século XVIII.
Niemeyer também se dedicou a produção escrita, com vários livros editados versando sobre sua obra, a maneira de exercer a profissão, e pensamentos gerais sobre a vida. Editou a Revista Módulo entre 1955 e 1965, sendo suas atividades interrompidas pela Ditadura Militar, e voltando a público entre 1975 e 1989. O Periódico funcionou como meio de divulgação da arquitetura moderna brasileira, e veículo de expressão das ideias de Oscar acerca da Arquitetura, em resposta às críticas internacionais e nacionais às quais sua produção vinha sendo alvo. Dentre os adeptos do movimento moderno, o interesse pelo brutalismo (emprego dos materiais com suas características naturais e uso aparente das estruturas) e pelo funcionalismo (preocupação com questões de racionalização de espaço e de fluxos) tendia a excluir da arquitetura quaisquer preocupações estéticas ou de estilo, segundo Ruth Verde Zein. Em contraponto, o Arquiteto afirma, em artigo publicado na Revista Módulo nº 1, considerar a Arquitetura como obra de arte, e, portanto, crê que a mesma deva ser criativa e espontânea.
Deficiências quanto a funcionalidade do espaço e a repetição de formas são as objeções mais citadas, bem como o excesso de ‘formalismo’ em detrimento da racionalidade e economia preconizados pelo movimento moderno. Contudo, tais ‘falhas’ ajudaram a criar uma produção com identidade marcada, e ao mesmo tempo, atestando sua universalidade.
A síntese de formas destacou-se também nos diversos monumentos projetados, como o Monumento aos 500 anos, em São Vicente, São Paulo, marcando o aniversário da descoberta do Brasil, o Memorial JK, em Brasília, que reúne acervo do presidente que ‘inventou’ a cidade, ou o Memorial da Cabanagem, em Belém, que homenageia o movimento revolucionário do século XIX que pretendia tornar independente a província do Grão-Pará.
Um homem de seu tempo, Niemeyer emerge como personagem histórico exemplar, tal qual o moleiro de Ginzburg, em cuja vida-obra pode-se ler o Brasil e o mundo ao longo de 104 anos. Representante de uma geração revolucionária, produziu obras em que a linguagem da forma permitiu difundir a trajetória de modernização brasileira, de transformações profundas na configuração da paisagem nacional, e avanços na consolidação do conhecimento e da cultura. Com ele, o Brasil torna-se reconhecível interna e externamente, como produtor de uma cultura rica e fecunda, que não se resume às tradições vernaculares, mas a um amálgama de elementos tradicionais e inovadores.

REFERÊNCIAS


BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978.
SEGRE, Roberto. América latina, fim de milênio: raízes e perspectivas de sua arquitetura. São Paulo: Studio Nobel, 1991.
ZEIN, Ruth Verde. Oscar Niemeyer. Da critica alheia à teoria própria. Arquitextos, São Paulo, 13.151, Vitruvius, dez. 2012. .

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