SANATÓRIO Vicentina Aranha: entre o passado assistencial e o uso público
Por Emanuella Piani Godinho (Mestranda PPGAU/UFPA)
No outro extremo do terreno, no ponto mais afastado de todos os pavilhões e cercado de vegetação, se localiza o necrotério do sanatório. Tendo em vista a gravidade que era a enfermidade da tuberculose naquele período, se fazia necessário possuir esse tipo de serviço dentro das imediações e também justifica seu isolamento dos demais pavilhões. Chama atenção sua entrada em forma de rampa, evidenciando sua forma de uso. Hoje em dia encontra-se abandonado.
Portanto, o passado sanatorial de São José dos Campos é algo importante num contexto institucional e social, e digno de ser não somente preservado, mas rememorado. São notáveis as iniciativas do Parque em narrar - seja através das placas de identificação ou de exposições com imagens antigas do sanatório - um passado que, dado o seu contexto, urge em ser esquecido. E mesmo com algumas dificuldades, que este complexo seja um exemplo que o estigma atribuído a este no passado não venha a destruir a sua história, pelo contrário, dar ao mesmo uma nova vida.
Localizado no centro da zona urbana de São José dos Campos -SP, mais precisamente no bairro Vila Adyanna, entre as avenidas Nove de Julho e São João, numa das áreas mais valorizadas da cidade e a poucas quadras do Parque Santos Dumont, o sanatório Vicentina Aranha compõe hoje um dos lugares mais visitados da cidade. Esse prestígio, atualmente, se deve à compra de todos os 84,5 mil metros quadrados de área do Antigo Sanatório pela Prefeitura Municipal de São José dos Campos em 2006, convertendo esse perímetro em um espaço aberto ao público nomeado agora como Parque Vicentina Aranha e sendo inaugurado no ano seguinte. O Parque, apesar de completamente cercado, é de livre acesso ao público das 5 da manhã até as 22 horas, configurando uma extensa área arborizada de amplo uso, que abriga uma série de atividades que vão desde eventos culturais gratuitos promovidos pelo parque quanto iniciativas da própria população. Fazendo deste um espaço de convívio e lazer, um cenário que em muito difere do contexto de criação e funcionamento do sanatório.
Com as obras iniciadas em 1918, o sanatório foi uma iniciativa da Sra. Vicentina Aranha, grande dama da sociedade paulistana, expoente de ações filantrópicas, que lutou em favor dos enfermos de tuberculose durante as primeiras décadas do século XX, doença que já se tornava uma epidemia. Esposa do Senador Olavo Egydio, membro da irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, veio a falecer em 1916, antes da inauguração do hospital modelo no tratamento de tuberculose que angariou fundos pra construir. O sanatório, em sua homenagem, passa a carregar seu nome.
Dadas as características da doença e o estigma provocado pela mesma – a maior parte da população era contra a construção do sanatório, temerosa pela “peste branca”, como era conhecida a tuberculose -, se fez primordial a busca de um isolamento adequado para o estabelecimento do hospital. Assim, com a doação feita pela Câmara Municipal de São Paulo foi adquirido em 1914 o terreno de uma chácara em São José dos Campos, nas proximidades de São Paulo, promovendo um ambiente e infraestrutura adequada para o hospital. O Sanatório Vicentina Aranha, então, é inaugurado em 1924, sob a direção da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
O projeto atribuído ao arquiteto Ramos de Azevedo é estruturado no modelo pavilhonar, em que a divisão dos pavilhões correspondia à atividades específicas em cada, permitindo assim uma distribuição de ambientes que mesmo independentes entre si, se integravam de forma eficiente. Além disso, a distância de cerca de 50 metros entre cada pavilhão permitia uma maior ventilação e iluminação natural, e o contato com a arborização do lugar, de modo a oferecer uma maior qualidade pro ambiente do enfermo com propriedades adequadas para a sua recuperação.
Os tratamentos prestados pelo Vicentina Aranha eram tão eficientes que, em 1955, dos 485 pacientes atendidos, apenas 31 vieram a falecer, de modo que, já em 1982, o último paciente atendido com tuberculose no sanatório recebe alta. Isso implicou numa reestruturação do hospital, que em 1993 passa a atender como hospital geriátrico. O mesmo veio a encerrar suas atividades como hospital em 2004, mas com toda a sua estrutura de pé e conservada.
O seu pavilhão central, é a primeira edificação que se visualiza logo na entrada, tendo esta três pavimentos (o terceiro sendo construído apenas em 1943), era onde eram realizados os primeiros atendimentos ao paciente, onde o mesmo era examinado e tinha seu prontuário aberto. Nessa edificação também funcionavam uma sala de radiografia, centro cirúrgico, consultórios médicos e a parte administrativa do hospital. Um elemento que chama atenção nessa edificação é a imponente marquise de ferro fundido no seu hall de entrada, construída em 1931 em estilo em estilo art-nouveau, originalmente com cobertura em vidro.
Uma característica importante sobre o Vicentina Aranha era o fato de ser uma instituição que atendia tanto pessoas dos mais altos níveis sociais quanto aqueles que não tinham condições de arcar com os tratamentos, não havendo distinção no atendimento, apenas na infraestrutura concedida a cada. Dois exemplos notáveis que são bem representativos dessa situação é o Pavilhão São José e o Pavilhão da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. O Pavilhão São José, também conhecido como Pavilhão Grande para Mulheres Indígenas era o local destinado para os doentes que não tinham meios para pagar pelo tratamento, este sendo custeado pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Enquanto que o Pavilhão da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, inaugurado em 1932, se atribui a uma parceria entre a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, na qual sua função era o atendimento exclusivo dos funcionários da Companhia.
Outra edificação que merece destaque aqui é a capela existente na área do sanatório, nomeada de Capela do Sagrado Coração de Jesus, veio a ser inaugurada em 1935 e encontra-se em pleno funcionamento até hoje, realizando missas e cerimônias. Caracterizada como eclética, é descrita como detentora de traços do estilo românico.
No outro extremo do terreno, no ponto mais afastado de todos os pavilhões e cercado de vegetação, se localiza o necrotério do sanatório. Tendo em vista a gravidade que era a enfermidade da tuberculose naquele período, se fazia necessário possuir esse tipo de serviço dentro das imediações e também justifica seu isolamento dos demais pavilhões. Chama atenção sua entrada em forma de rampa, evidenciando sua forma de uso. Hoje em dia encontra-se abandonado.
É preciso mencionar aqui que, olhando para dentro de muitos desses pavilhões – com certa dificuldade, haja vista que alguns possuem suas aberturas vedadas por tábuas de madeira – é possível notar um certo abandono ou esquecimento – principalmente dos que desempenhavam as funções mais estigmatizadas.
Alguns passaram por processos de intervenção e foram refuncionalizados para atender as necessidades do Parque, seja criando espaços de recreação, cultura, exposições e até mesmo um centro de formação profissional para restauro – o que leva a crer que há um empenho na recuperação dessa enorme instituição.
Outros pavilhões, aparentemente estão sofrendo algum processo de intervenção, visto que se encontram com pintura recente e reformados, por mais que, até então, ainda não assumam nenhuma função.
Há de se supor que a dificuldade de recuperação de alguns desses pavilhões se dê em razão das especialidades de cada um destes: uns servindo como sala de cirurgia, outros como sala de radiografia, necrotério, laboratório, marcenaria etc. Apresentando assim, uma certa complexidade em adequação para uso público do Parque, atualmente.
A questão é que, por mais que por anos o Vicentina Aranha tenha sido um local marcado pelas enfermidades e dor, este complexo tem uma relação profunda de pertencimento e memória com a população e cidade de São José dos Campos. É possível notar o quanto a população guarda uma relação de apreço e afeto pelos serviços prestados pelo Vicentina Aranha, assim como se vê como parte integrante deste. Na minha visita ao Parque pude perceber isso através de um senhor que espontaneamente começou a conversar comigo mencionando a tristeza de ver alguns daqueles pavilhões sem uso e reformas, e brevemente contou como a história do Vicentina Aranha se cruzava com a dele: “(...) meu pai foi pintor aqui por muitos anos. Nesses pavilhões aí, certamente tem algumas pinceladas dele”.
Portanto, o passado sanatorial de São José dos Campos é algo importante num contexto institucional e social, e digno de ser não somente preservado, mas rememorado. São notáveis as iniciativas do Parque em narrar - seja através das placas de identificação ou de exposições com imagens antigas do sanatório - um passado que, dado o seu contexto, urge em ser esquecido. E mesmo com algumas dificuldades, que este complexo seja um exemplo que o estigma atribuído a este no passado não venha a destruir a sua história, pelo contrário, dar ao mesmo uma nova vida.
Fotos: Emanuella Godinho, 2016.
FONTES
http://www.pqvicentinaaranha.org.br
http://historiasjc.blogspot.com.br/2012/05/sanatorio-vicentina-aranha.html
http://vicentina90.ovale.com.br/
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