Belém: uma floresta de concreto - Um pouco da história de Belém contada através de sua arquitetura única
Confira a reportagem sobre Belém na revista independente Tudo&Etc por Phillipp Gripp (Editor da Revita e Acadêmico de Jornalismo na Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA), que contou com a consultoria da Profª Cybelle Miranda, baseada na entrevista transcrita abaixo:
ENTREVISTA REVISTA TUDO&ETC
1. Então, para começar, eu
gostaria de saber como surgiu esse seu amor pela arquitetura de Belém.
CM - Durante minha formação, tive interesse pelas artes e pela
arquitetura de Belém, com as quais convivi nos bairros da Cidade Velha, onde
nasci, e de Nazaré, onde se situavam as escolas que freqüentei. Ao ingressar no
Curso de Arquitetura, realizei estágio no IPHAN, quando pude participar de
projeto de restauro para a Igreja de São João e algumas visitas técnicas a
Igreja de Santo Alexandre e ao Palácio Velho, que pertence ao Colégio do Carmo.
O meu mentor foi o arquiteto e professor de Arquitetura Roberto de La Rocque
Soares, que foi o primeiro restaurador do Palácio dos Governadores, atual Museu
Histórico do Estado do Pará.
2. Gostaria também de entender
um pouco sobre a história geral da arquitetura belenense. Se há algum
estereótipo nas construções históricas, o que elas tem em comum e o que chama
atenção na arquitetura histórica de Belém que pode diferenciá-la dos demais estados
brasileiros? Podemos, então, dizer que ela tem uma identidade
histórico-cultural própria preservada até hoje?
CM – A Arquitetura de Belém tem uma matriz colonial portuguesa, mas
que se diferencia pela presença do arquiteto Antonio Landi na segunda metade do
século XVIII, o qual reveste a cidade com edificações classicistas de alto
valor artístico, como a Igreja da Sé (parcialmente), Igreja de Santana, de São
João e o Palácio dos Governadores, que citei acima. Adquire ares franceses no
período da Belle Épocque, com
destaque para a arquitetura eclética (ver Palacete Bolonha, Palácio Antonio
Lemos, Mercado do Ver-o-peso, etc.) além das praças como a Batista Campos e a
Praça da República. Nas décadas de 40 e 50 o modernismo é introduzido pelos
engenheiros, como Camillo Porto de Oliveira, com uso de linhas orgânicas, até a
fundação do Curso de Arquitetura em 1964, quando se formam os primeiros
arquitetos locais, e mais tarde, nos anos 80, temos a produção da “arquitetura
amazônica”, de caráter regionalista, com destaque para Milton Monte. Assim, a
arquitetura de Belém é um amálgama de influências externas adaptadas as
condições sócio-culturais locais.
3. Como se dão as reformas dos
locais históricos de Belém para que eles possam ser ocupados atualmente, como é
o caso dos prédios e casarões de que a reportagem trata? O que é necessário
para reestruturá-los e deixá-los como há anos atrás? E o processo é difícil
tanto burocrática quanto tecnicamente?
CM - Em minha tese de Doutorado “Cidade Velha e Feliz Lusitânia:
cenários do patrimônio cultural em Belém”, trato das intervenções realizadas no
sítio inicial da colonização, que abrange o Forte, o antigo Hospital Militar, a
Igreja e Colégio de Santo Alexandre e a Catedral. Analiso o componente político
latente nestas intervenções, e em que medida impede o acesso ao material
histórico presente nesses locais, ao introduzir elementos contemporâneos e
eliminar supostas barreiras a fruição da paisagem.
4. E ainda sobre essas reformas
da pergunta anterior, isso vem de uma questão cultural de Belém? Digo, é um
ponto da identidade da Belém atual reformar prédios antigos, mantendo-o como
antes e os transformando em locais para um "entretenimento" das
pessoas, como boates, restaurantes e afins?
CM - O processo de “reciclagem” de edificações históricas,
adaptando-as a novos usos voltados ao entretenimento e ao turismo não é
privilégio de Belém, faz parte de uma das visões contemporâneas do patrimônio,
buscando sua “sustentabilidade” financeira em meio as políticas neoliberais. É
a chamada Era da Cultura, onde tudo se torna patrimônio, não no sentido do uso
pela população, mas como atrativo rentável.
5. E para finalizar, eu
gostaria de saber o que você pode falar dos 4 locais específicos da matéria: o
Pólo Joalheiro (é, digamos, um pouco incomum ver um antigo presídio se
transformando em uma joalheria, não?), a casa das 11 janelas, a casa do
governador e o café com arte. O que acha dos lugares (a sua opinião própria) e
como eles contribuem ainda hoje para a história cultural da capital?
CM - As intervenções nos três primeiros prédios foram executadas
pela Secretaria de Cultura do Estado: o Pólo Joalheiro fora construído para
abrigar um convento, tornando-se mais tarde Presídio São José (daí a alcunha
atual São José Liberto) e nos anos 2000 tornou-se mais um dos pólos turísticos,
ao sediar o Pólo Joalheiro e a Casa do Artesão, onde pode-se ver os ourives
trabalharem, faz-se desfiles de moda e feiras de artesanato, a fim de promover
o design paraense. Como intervenção em
prédio histórico apresenta falhas, como a galeria coberta em policarbonato que
esquenta terrivelmente, a ausência de espaços que contem a história do prédio,
com exceção de uma pequena cela voltada para o pátio que mostra fotos de presos
durante rebelião ocorrida no presídio.
A casa das 11 janelas foi Hospital Militar, depois Quartel do
Exército, e hoje é Centro Cultural, voltado a arte contemporânea e abriga o
Boteco das 11, um bar com cara de pub inglês, destinado a clientela de alto
poder aquisitivo. E a Casa do Governador, chamado Parque da Residência, creio
que foi uma das intervenções mais felizes, pois alia a idéia de reciclagem mas
abre o espaço antes restrito ao público, ampliando as opções de lazer da
população na escala do bairro, o prédio principal torna-se sede da Secretaria
de Cultura, instala-se um quiosque para venda de plantas, o gazebo torna-se
restaurante bastante procurado, insere-se um vagão de trem como sorveteria, e
remonta-se o antigo gasômetro da Praça Amazonas, transformando-o em teatro.
O Café com Arte é o único exemplo de iniciativa privada, que alia
boa conservação do prédio com o uso de boate. O TCC desenvolvido por Luciana
Cavaleiro de Macedo, sob minha orientação, procurou manter o uso atual,
valorizando aspectos da arquitetura original do prédio e de sua decoração. Vejo
que, apesar das restrições aos métodos empregados nas intervenções, que deixam
de lado a história das edificações, ressaltando mais o seu valor de
contemporaneidade que o de antiguidade, são espaços que se integram a cidade,
muito embora o fluxo de visitantes seja pequeno. Falta investimento em educação
patrimonial, para que a revitalização de prédios históricos se integre e
signifique algo vivo para a população. Belém, hoje com seu território cada vez
mais ampliado, afasta os habitantes do centro antigo, que precisa de atrativos
para sentir pertencentes a essa história da cidade. O estímulo a eventos
artísticos com teatro, como o Auto do Círio, desenvolvido pela UFPA,
espetáculos musicais no píer da Casa das 11 janelas, concertos na Igreja de
Santo Alexandre, blocos carnavalescos (que também é tradição da Cidade Velha),
desde que respeitando o patrimônio desses locais e principalmente seus
moradores, são benéficos para garantir a preservação de tais espaços.
CYBELLE SALVADOR MIRANDA, Arquiteta e urbanista, Professora da
Faculdade de Arquitetura e urbanismo e do Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Coordeno o Laboratório de Memória e Patrimônio
Cultural.
http://arquiteturaufpamemoria.blogspot.com
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