Monumento de Niemeyer amarga esquecimento público

Publicado no Jornal Diário do Pará, 24/12/2009

No entroncamento, o monumento se tornou alvo de vândalos.
Foto: Thiago Araújo

Durante toda a semana, o Brasil e o mundo festejaram os 102 anos do arquiteto mais importante da história recente do Brasil. Oscar Niemeyer comemorou a última terça-feira trabalhando e recebendo homenagens. Mas pouca gente lembrou que Belém é a única capital do Norte que pode orgulhar-se de possuir um monumento criado pelo velho mestre. O Memorial da Cabanagem existe há mais de 20 anos e, aos poucos, vai sendo tragado pela ausência de planejamento urbano para a cidade.

“Niemeyer é o arquiteto brasileiro que tem projeção não só no Brasil, mas no exterior. A sede do Partido Comunista em Paris é obra dele. Deveria ser um orgulho para a cidade ter uma obra dele”, diz o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ronaldo Carvalho.

Mas o que deveria gerar autoestima entre os moradores de Belém, pouco é reconhecido. “Para que isso ocorresse, a população deveria ser orientada educacionalmente a conhecer essa parte da história e a importância do Niemeyer”, diz o professor. Segundo ele, deveria haver um memorial que mostrasse a revolução que foi a Cabanagem, com o significado que o arquiteto tem para a história contemporânea brasileira. “Ainda estamos tentando sair dessa postura da desinformação”, diz ele.

O Memorial da Cabanagem é um monumento de 15 metros de altura por 20 de comprimento, todo em concreto, erguido no Entroncamento, principal entrada e saída de Belém. Foi projetado a pedido do então governador Jader Barbalho, para as comemorações do sesquicentenário da Cabanagem, ocorrido em 7 de janeiro de 1985.

Consiste numa rampa elevada em direção ao céu, com uma inclinação acentuada apontando para um ponto sem fim, tendo no meio uma “fratura”, um pedaço do monumento que jaz no chão. A ideia era representar a luta do povo cabano em um dos movimentos mais importantes de todo o Brasil. Segundo Niemeyer, a rampa elevada em direção ao firmamento representaria a grandiosidade da revolta popular que chegou muito perto de atingir seus objetivos e a “fratura” faz alusão à ruptura do processo revolucionário. “A obra em si tem um grande valor estético. É uma escultura de concreto armado que exigiu muita ousadia no cálculo”, atesta Carvalho.

O anúncio feito à época pelo governador Jader Barbalho não escapou à polêmica. No início, os profissionais paraenses queriam que fosse feita uma espécie de concurso para escolher o melhor projeto. O anúncio de que seria Oscar Niemeyer o autor da obra e que ele não cobraria pelo projeto acabou por apaziguar os ânimos.

À época, o Memorial da Cabanagem revitalizou o entorno do Entroncamento. Mas com o passar dos anos, foi perdendo o sentido original. Primeiro, porque o Entroncamento foi cada vez mais estrangulado pelo trânsito da capital. Segundo, porque o local passou a ser alvo de vândalos e pichadores.

“A obra hoje é incoerente”, diz a coordenadora do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural da UFPA, Cibele Miranda.

“Urbanisticamente, ele está apagado, porque a visibilidade está sendo cada vez mais sufocada com a construção de elevados e passarelas naquele entorno. Ao mesmo tempo, o Memorial perdeu sua função porque não se presta mais à visitação, já que não há mais nada lá. Ele acaba por desaparecer no imaginário da população”, diz ela.

A solução apontada pelos dois arquitetos seria transportar o Memorial para outro ponto na cidade. “Seria um desafio para a engenharia paraense realizar essa empreitada”, conclui Carvalho.

O MONUMENTO

O Monumento à Cabanagem foi encomendado a Oscar Niemeyer para comemorar os 150 anos do movimento revolucionário, em 1985, pelo então governador Jader Barbalho.

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