BELÉM DOS ECLETISMOS - Ladrilho hidráulico: um símbolo de tradição, contemporaneidade e resistência patrimonial
por Cristhian Cabral
bolsista de IC
Resguardado
sob a proteção das recomendações do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional - IPHAN, os ladrilhos hidráulicos são representantes do patrimônio
cultural material e imaterial de nosso país por sua intrínseca ligação
artesanal e artística inseparáveis de seu processo de fabricação. É visto como
mais que um mero objeto na construção civil, expondo aspectos de diversos
valores semióticos que respeitosamente passeiam pela memória histórica de cada
edificação nas quais estão inseridos.
A saber: a popularização do uso do
ladrilho hidráulico aconteceu durante a vigência do Ecletismo - período
arquitetônico que nasceu no século XIX na Europa, através da ascensão da classe
burguesa, sedenta por status e
enriquecida pelo capital da Revolução Industrial (FABRIS, 1993). Chegou ao
Brasil no início século XX por fatores como a influência europeia sobre a
mentalidade e estilo de vida das elites locais e surgimento do setor industrial
no país.
As características da linguagem eclética,
como o próprio nome já diz, são os empregos estéticos de tipologias
arquitetônicas do passado - tais como da arquitetura clássica greco-romana,
gótica, renascentista, barroca e neoclássica, aliadas às inovações técnicas
provenientes dos avanços científicos do período industrial. Carrega consigo a
tendência higienista crescente da época, bem como a compartimentalização
setorizada para usos distintos dos ambientes projetados. O Ecletismo está
presente em edificações residenciais, edifícios públicos e privados do século
XX no Brasil; é nesse contexto que se insere o uso do ladrilho hidráulico nas
arquiteturas daquele momento por suas particularidades estéticas e facilidade
de manutenção e limpeza.
Existem lacunas nos registros históricos
quanto ao ladrilho, não se sabendo precisar sua técnica de fabricação inicial;
somados ao múltiplo significado semântico da palavra “ladrilho”, o qual pode
referir-se a outros materiais como tijolos, azulejos e telhas (LAMAS, LONGO,
SOUZA. 2018).
Histórico
A indústria por trás da cerâmica é uma
das mais antigas ligadas à história humana e sua evolução e o marco para busca
da origem do ladrilho está no período medieval. Durante o século XII, a técnica
consistia no recorte de uma placa de argila plástica moldada sobre uma fôrma de
madeira. A técnica das cores nos padrões elaborados não provinha de pintura,
mas da correta manipulação de duas ou até seis cores diferentes de barro in natura. O desafio era replicar tais
técnicas medievais para que não houvesse danos nos ladrilhos durante o processo
de queima, havendo perdas significativas por fissuras, retrações e esmaltação.
Durante o século XIX, com a demanda
crescente do mercado para prédios públicos e restaurações de antigas
construções com qualidade e beleza, houve a necessidade de investimento na
técnica do ladrilho por arquitetos e fabricantes. Samuel Wright patenteou o
primeiro processo de fôrma de molde para ladrilhos encáusticos (ou cerâmicos) para
produção em larga escala. A partir disso surgiram os primeiros catálogos de
ladrilhos encáusticos que reproduziam padrões medievais sem aleatoriedade no
processo de fabricação. Assim o ladrilho passaria a se tornar cada vez mais acessível.
Em 1841, Richard Prosser patenteia a
técnica do “pó pressionado”, cuja argila estaria em estado de pó úmido em sua
preparação. Era comum que cada fabricante mantivesse técnicas diferentes no
preparo da argila e queima da mesma. Em 1860, Prosser experimenta utilizar duas
camadas de pó, sendo a primeira colorida que continha uma moldura de metal fino
que separava as cores nos padrões desejados. Ela era cuidadosamente removida e
outro volume de argila de cor diferente era acrescentado para compactação de
enorme pressão. Essa técnica revolucionou a produção de pisos e revestimentos
em massa no séc. XIX. Cada empresa possuía suas características de cores, formas
e tamanhos. Possuíam um produto novo, funcional e decorativo.
Com o surgimento do cimento Portland
em 1930, patenteado por Joseph Aspdin, a construção civil o abraçou
gradativamente, sendo utilizado em fachadas e revestimentos, chegando ao Brasil
em 1888 e se estabeleceu em São Paulo em 1924, no bairro de Petrus. Notando as
características ligantes e plásticas, os fabricantes de revestimentos cerâmicos
incrementaram o cimento na patente de uma cal hidráulica para produção de
ladrilho em 1860 por Etienne Larmande. Esse processo não se diferenciava muito
do processo utilizado anteriormente. Surge então o ladrilho que dispensa
cozimento: o ladrilho hidráulico.
A nomenclatura “hidráulico” está
relacionada à característica de sua cura ser apenas molhada, sem queima. No que
compete à matéria prima, há uma grande dificuldade de apontar com exatidão o
processamento da sua composição, dada a limitação de informações provenientes
do seu caráter de produção artesanal que, de família para família, muda
conforme o processo de cada uma na sua confecção.
Ganhou grande destaque internacional em
exposições de catálogos de ladrilhos que então seriam incorporados ao movimento
de Art Nouveau nos anos de 1890 no revestimento
de paredes das casas.
No contexto da
Belém do século XX, diante do crescimento gerado pelo Ciclo da Borracha, e
implementação da nossa Belle Époque a
gosto do Intendente Antônio Lemos, os ladrilhos passam a fazer parte do gosto eclético
da elite local. A primeira fábrica de ladrilhos pode ter sido fundada por
Domingos Acatauassú Nunes em parceria com o alemão Guilherme Frederico
Humdemark, o responsável pela chegada da produção de ladrilhos hidráulicos na
capital, não sendo possível precisar a data, apesar dos relatos,
tampouco sua denominação oficial (GESTER, 2013). Outra fábrica importante na cidade
era a A. Pinheiro Filho, localizada na Travessa Quintino Bocayuva, nº 31.
O ladrilho
hidráulico chega às edificações no começo do século XX em diversos prédios
públicos, a exemplos locais encontram-se ladrilhos na Santa Casa de Misericórdia
do Pará, o prédio histórico do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, Solar
Barão do Guajará, Palacete Pinho, Palacete Vitor Maria da Silva, Palacete Bibi
Costa, Palacete Augusto Montenegro, Palácio Antônio Lemos, e casas da Vila Bolonha,
podendo também ser encontrados em edificações do mesmo período. Abaixo,
exemplares encontrados em algumas das edificações citadas acima.
Imagem 1:
Composição dos ladrilhos da Vila Bolonha.
Imagem 2: Composição dos ladrilhos da Vila Bolonha.
Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Ailla Raiol
Imagem 3: Composição dos ladrilhos do Palacete Bibi Costa.
Imagem 4: Composição dos ladrilhos do Palacete Bibi Costa.

Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Beatriz Maneschy
Imagem 5: Composição dos ladrilhos do Instituto de Ciências da Saúde - ICS/UFPA.

Imagem 6: Composição dos ladrilhos de uma das casas da Vila Bolonha.

Imagem 7: Composição dos ladrilhos do Palácio Antônio Lemos.

Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Larissa Leal
Imagem 8: Composição dos ladrilhos da Santa Casa de Misericórdia do Pará.

Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia:Bianca Barbosa
Imagem 9: Composição dos ladrilhos da Santa Casa de Misericórdia do Pará.
Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Bianca Barbosa
Imagem 10:
Composição dos ladrilhos da Santa Casa de Misericórdia do Pará.
Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Bianca Barbosa
Imagem 11:
Composição dos ladrilhos da Santa Casa de Misericórdia do Pará.

Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Cybelle Miranda

Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Cybelle Miranda
Imagem 8:
Composição dos ladrilhos da Santa Casa de Misericórdia do Pará.
Fonte: LAMEMO, 2019. Arte digital: Cristhian Cabral; Fotografia: Bianca Barbosa
Conclusão
Ladrilhos são de grande valor semiótico,
representando status e modernidade na Europa e Brasil. Na dinâmica da Revolução
Industrial surge o ladrilho hidráulico respeitando uma visão romântica de
decoração medieval, com evoluções técnicas e artísticas inerentes a individualidade
dos seus criadores e usuários. Os valores históricos resguardados na sua fabricação
indicam o fascínio que há na representação do passado e a valorização dessa
visão no presente através do resgate por detrás da produção do ladrilho e como
está introduzido na contemporaneidade, sobrevivendo às transformações sociais e
estéticas de cada tempo, bem como as tecnologias inovadoras. A conservação e
restauro de ladrilhos devem obedecer a princípios de autenticidade e integridade
das edificações onde estão inseridos, como fundamentado por entidades de
caráter protetor do patrimônio cultural.
Por fim, como objeto de valor
cultural material e imaterial, o ladrilho sobrevive carregando consigo a
memória da evolução da técnica e alcança o status de arte que, de forma muito
bem observada, vem sendo eclipsada e esquecida por novos materiais que estão longe
de possuir os mesmos atributos simbólicos e sentimentais que o ladrilho.
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Referências
FABRIS,
Annateresa. Arquitetura eclética no Brasil. Cenários da modernização. Anais do
Museu Paulista - Nova Série Nº 1. São Paulo. 1993.
GESTER,
Carolina de Souza Leão Macieira. Ladrilhos
hidráulicos em Belém: subsídios para sua conservação e restauração. UFBA.
Salvador, Bahía. 2013.
LAMAS, Márcia Lópes;
LONGO, Orlando Celso; SOUZA, Vicente Custódio. A produção de ladrilho e o ofício de ladrilhar: método de produção de
ladrilhos do século XVIII aos nossos dias in Anais do Museu Paulista – vol.
26. São Paulo, Nova Série. 2018.
ALMEIDA, Tayná; ARNOUR, Gabrielle;
BARROS, Bianca; CABRAL, Cristhian; CUSTÓDIO, Eduardo; SOUSA, Maurício; SOUZA,
Helder. Palacete Augusto Montenegro: A
tranformação do uso e a modificação do entorno. UFPA. Belém, Pará. 2019.
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