Crônica do Filme O quarto ao lado, de Pedro Almodóvar

 O QUARTO AO LADO, de Pedro Almodóvar

Cybelle Salvador Miranda

Professora Titular FAU/PPGAU/UFPA

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Da série ‘Pinturas Partilhadas' de Pedro Almodóvar e Jorge Galindo.


O intuito de se firmar como um realizador universal teve êxito, Almodóvar trata de um tema muito sensível e tece diálogos que unem os dramas particulares com as tragédias globais em seu novo filme. O resultado é atingido por um conjunto de fatores, em que as unidades são indissociáveis do todo: direção de arte, atrizes excepcionais, arquitetura e paisagem estonteantes e diálogos profundos, num ritmo lento e leve, ao mesmo tempo.

A narrativa não perde fluidez nem densidade, nem mesmo com as citações à cultura cinematográfica e literária. Mas, e a eutanásia? Na minha leitura, é um filme que trata de morte, mas deixa uma mensagem de vida.

Há um quarteto de personagens, centrado na dupla Martha (Tilda Swinton) e Ingrid (Julianne Moore), jornalista e escritora, ambas mulheres fortes com carreiras consolidadas e de grande expressão. O apoio surge do amigo comum Damian (John Turturro), um palestrante ambientalista e a personagem fantasma, a filha de Martha, ressurge ao final para fechar o ciclo e abrir um novo canal de afetos.

A história é conduzida por ambiências e atmosferas, inicia no hospital exemplar, com paredes decoradas, amplas janelas, o apartamento de Martha com o quadro com o vaso de flores (elas estão em todos os ambientes e são mais uma expressão criativa do diretor), a neve fora do tempo (algum saldo positivo das mudanças climáticas, diz a personagem) cria a atmosfera como estado de espírito. O vidro é ressignificado – a transparência torna-se tela na qual se imprimem as paisagens, que revelam os sentimentos contidos.

A guerra é a metáfora: todos lutamos nossas batalhas individuais, mas interessa quem nos acompanha no front, no momento decisivo. É não estar só quando nos deparamos com o perigo. E, para esta tarefa, nem todos estão prontos.

O prazer da vida, e a contemplação a paz e silêncio interiores, Martha vai buscar na casa que aluga na floresta, pois acredita que as memórias evocadas pelos objetos que a cercam em sua própria moradia a impediriam de desligar-se da vida, quando fosse o momento. As vivências das amigas trazem memórias imprecisas numa atmosfera enevoada, e, por duas vezes, Martha recita as falas finais do filme Os vivos e os mortos (John Huston), baseado no conto de James Joyce, em Dublinenses “Desmaiava-lhe a alma lentamente enquanto ouvia no universo a neve leve que caía e que caía, leve neve, como o pouso de seu fim definitivo, sobre todos os vivos e os mortos”. 

Como uma canção de ninar, para a vida que finda. Após a passagem de Martha, Ingrid e Michelle, a filha, sentam-se nas espreguiçadeiras como na tela de Eduard Hopper, absorvendo a atmosfera de vida que continua.

P.S. Para os arquitetos curiosos sobre a casa na montanha, vejam a matéria:

https://arquitecturaviva.com/articles/la-casa-szoke-en-la-ultima-pelicula-de-almodovar


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