Os tradicionais Círios da Atalaia

Por Anete Costa Ferreira
      A localidade de Atalaia, em Portugal, fica distante de Lisboa 28 km, mas dependendo do meio de transporte pode atingir até 41 quilômetros. Tornou-se famosa pela realização da secular  festa em honra à Nossa Senhora da Atalaia, conforme se observa na vasta documentação desde 1409, que dá ampla referência à esta devoção.
      Reza a história que tudo começou no princípio do século XII quando uma imagem de Nossa Senhora apareceu na árvore aroeira, na encosta do Monte Atalaia. O local é desde épocas remotas bastante concorrido pela proximidade da fonte onde acorriam os peregrinos por ocasião das festividades realizadas numa ermida ali existente.
      A aparição despertou a curiosidade de pessoas de todas as classes sociais que se deslocavam de Lisboa e periferias para adorar a Santa. Os fiéis da localidade recolheram a imagem para um casebre no Alto da Atalaia e colocaram-na num altar improvisado. No dia seguinte, surpresos, viram o lugar vazio, e a Santa no Monte da Atalaia, cena esta repetida inúmeras vezes.
      Diante de tanto mistério os devotos mandaram fazer outra imagem batizando com o nome de “Senhora Moça” que colocaram no altar-mor da igreja que mandaram erigir e passaram a chamá-la de Nossa Senhora da Atalaia, a Santa milagrosa.
      Nos idos do século XVI surge um Círio que percorre o trajeto de Lisboa até Atalaia, cujos responsáveis mandaram construir um chafariz onde os peregrinos saciavam a sede. Colocaram uma lápide com a inscrição “Obra da Confraria de Lisboa” a qual foi encontrada em 1752, pela Câmara Municipal da Aldeia Galega, aquando das escavações feitas para manutenção do monumento. Posteriormente, a prefeitura local mandou reparar o obelisco, colocando uma placa identificativa: “Fonte de Nossa Senhora da Atalaia, mandada reedificar em 1873, pela Câmara Municipal de Alcochete”.  
      Sempre no último domingo de agosto realizava-se a “Festa Grande da Nossa Senhora da Atalaia” para a qual acorriam cerca de 12 Círios identificados pelos nomes de Francesinhas, de São Lourenço, de São Cristovão, de Santos, da Lapa, da Madragoa, de Chelas e tantos outros. O Círio de Setúbal conduzia a imagem de Nossa Senhora dentro de uma carrocinha armada em altar, puxada por um cavalhinho. As procissões eram acompanhadas de banda de música e foguetes os quais eram queimados constantemente.
      No sábado pela manhã iniciavam-se os festejos com a chegada dos Círios procedentes de Lisboa que faziam o percurso nos vapores “Rio Tejo” e “Victória”. Outros, iam de fragatas e havia os que viajavam de trem, transportando o altar até a sede da festa.
      Na tarde do último domingo de agosto uma grande procissão com todos os andores percorria as ruas da cidade conduzindo bandeiras religiosas de identificação, fogos, morteiros e músicas com milhares de fiéis acompanhando a cerimônia, rezando e entoando cânticos sacros.
      Na segunda-feira após o encerramento das festividades os romeiros regressavam às suas localidades levando vinhos, chapéus, rosários e outros artigos quase sempre com a estampa de Nossa Senhora da Atalaia. Os festejos já foram bastante concorridos, conforme registros indicando ter havido vinte e três Círios no ano de 1607, tendo aumentado em 1823 para trinta e quatro. A feira no arraial que durava três dias era dos pontos do leilão de gados de várias raças.
      Atualmente são apenas cinco Círios que permanecem venerando Nossa Senhora da Atalaia: Quinta dos Anjos, Carregueira, Olhos d’Águas (de Palmela), Azoia (Sesimbra) e o mais novo, da Jardia, do Montijo. Alguns chegam na 5ª feira e outros na 6ª feira, momento em que cada Círio dá três voltas no Cruzeiro-Mor, subindo a escadaria até ao Santuário, portando a bandeira que os identifica, sempre acompanhados pela imagem de Nossa Senhora da Atalaia.
      A procissão em honra à Virgem se realiza desde 1507 em cumprimento às promessas feitas pelos devotos sobreviventes da peste que grassou em Lisboa no ano de 1505. Os empregados da Alfândega de Lisboa foram os pioneiros dessa peregrinação, e em 2007 a Alfândega de Lisboa celebrou os “500 Anos de Peregrinação ao Santuário da Atalaia”, com grandes honrarias.
      No dia 26 de agosto de 2012, realizou-se a Grande Procissão com extensa programação nos três dias de festividades. Os rituais continuam idênticos aos iniciados no século XVI com o grande Círio em honra à Nossa Senhora de Atalaia.

 
Cartaz da celebração em 2012
       O simbolismo das bandeiras é um momento de grande significado para aqueles que veneram a Virgem. Ao chegarem ao Santuário os romeiros dirigem-se à Igreja para assistir a missa solene, seguindo-se o tradicional almoço de confraternização. Antes do ato religioso os fiéis entregam ao Diretor da Festa, as bandeiras arrematadas no leilão do ano anterior. Ao fazerem o pagamento da arrematação recebem uma Medalha cunhada com vários motivos náuticos, que lhe é colocada no peito como reconhecimento do seu trabalho em favor da Igreja. O Vigário benze as bandeiras novas que são entregues ao responsável da Festa para integrarem o leilão vespertino.
      As bandeiras e as medalhas identificam os Círios, definindo uma hierarquia no funcionamento da festa. A bandeira realça a representação da Senhora da Atalaia, a procedência, nome do ofertante e algumas vezes, a data e a graça alcançada.
      O Santuário é composto por três Cruzeiros, a Fonte Santa, a Igreja e a Escadaria delimitada pelo casario que o rodeia. Há o Espaço Museológico de Arte Sacra com coleções de ex-votos que confirmam a devoção secular à Senhora da Atalaia. Destaque de cunho social é o conjunto de casas no contexto da Igreja que servem de abrigo a Círios formados por romeiros de origem longínquas que se deslocam até Atalaia.
      No Museu Agrícola da Atalaia há exposição permanente relacionada às atividades agrícolas e workshop dedicados à cultura da vinha e do vinho, ao azeite e à horticultura. Na gastronomia “As Fogaças” - bolo típico de Alcochete -pela sua crença e especialidade é disputadíssimo pelos apreciadores, crentes na lenda que diz: quem comer as Fogaças oferecidas no Círio, torna-se tanto a pessoa e a coletividade a que pertence, imunes às pestes e às pragas”. Razão do grande consumo na época.
      Na segunda-feira à tarde ao encerrar os festejos, um pequeno Círio conduz a Imagem ao seu nicho, em Alcochete, onde fica recolhida até o ano seguinte.
Lisboa, 03 de setembro de 2012.

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