Hospital-Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil

Por Renato Gama-Rosa Costa*


    Nos primeiros anos do Estado Novo português (1926-1974), a Junta Distrital de Coimbra tinha intenção de fazer daquela cidade um Centro-Piloto no combate à tuberculose na região norte do país, com acordo e subvenção do Estado. A frente dessas ações estava o médico Bissaya-Barreto, um dos maiores apoiadores do golpe de estado que permitiu a Oliveira Salazar estar a frente do governo português durante cinco décadas. Bissaya-Barreto era dirigente da União Nacional, criada em julho de 1930 com apoio do Presidente do Ministério, Gal. Domingos de Oliveira e por Salazar, então Ministro das Finanças.
    Convém dizer que o número de óbitos provocados pela tuberculose nos anos de 1930, segundo Lopo de Carvalho “progrediram assustadoramente” subindo “de 6.674 [em 1902] para 12.370 a cifra bruta de mortes e de 120 para 175 a quota de falecimentos anuais referidos a 100 mil almas da população calculada” (CARVALHO, 1934: 6). Esse crescimento levou que Portugal, por meio de diversas instituições, encabeçadas pela Assistência Nacional aos Tuberculosos (ANT), da qual Lopo de Carvalho, entre 1931 e 1938, foi diretor da Comissão Executiva, juntamente com Bissaya-Barreto e outros, se lançasse ao tratamento dessa doença, “flagelo mais terrível do que a mais mortífera das guerras” e “que propaga-se sem tréguas nem descanso” (CARVALHO, idem).
    Tal hospital-sanatório fazia parte de um plano de construção de três sanatórios em Coimbra, concebido por Bissaya-Barreto, além do da Colônia Portuguesa, também conhecido como Sanatório de Covões, para homens; o de Celas, para mulheres e um infantil, mostrando bem a política de combate à doença à época, que separava os acometidos por sexo e por idade. Para a realização das obras, os sanatórios contavam com o Estado Português, mas também com donativos. O da Colônia Portuguesa recebeu apoio de brasileiros ilustres, em especial de Visconde de Morais (1848-1931), um dos diretores da Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro.
      O Hospital-Sanatório em questão foi adaptado de um hospital construído para os órfãos da Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), sendo um estabelecimento de assistência pública dependente da Direção Geral de Assistência e regido pelas normas do Estado, segundo o Processo da Direção Geral dos Edifícios e monumentos Nacionais, de 14 de outubro de 1943, à página 249. Segundo os livros de Ata da Junta Geral de Distrito de Coimbra, em 31 de maio de 1928 foi requerido o hospital dos órfãos para ali ser instalado “um sanatório antituberculoso de planície (São Martinho do Bispo)”. A cessão se deu em outubro do mesmo ano, sendo o hospital-sanatório referido então como Instituto da Quinta dos Vales em S. Martinho do Bispo. As obras se iniciaram em fevereiro de 1931.
     Nos livros das Atas aparecem os nomes de Dr. Eduardo M. De Vasconcellos, Francisco Vilaça da Fonseca e Alberto Cepas como os “cidadãos” aptos a fazerem as obras. Entretanto, nos arquivos da Torre do Tombo em Lisboa (Código de Referência PT/TT/LB/C/001) aparecem projetos realizados por Luis Benavente, a partir de 1934, para os dois sanatórios de Coimbra, o referido Hospital-Sanatório para a Colônia Portuguesa do Brasil e o de Celas. Por essa data, este último sanatório já estava em pleno funcionamento (sua abertura ao público se deu em junho de 1932) e o primeiro, em fase de finalização. É possível que Benavente seja autor de parte dos projetos e os demais cidadãos, construtores e/ou consultores.
     Independente de sua autoria, o que chama a atenção neste projeto é que as linhas mais modernas experimentadas na adaptação ficaram por conta dos três pisos de galerias de cura localizadas ao final da antiga construção, como mostram as imagens. As demais dependências do hospital-sanatório reproduzem o traço das tradicionais construções portuguesas, sem arriscarem linhas mais contemporâneas à época, talvez em respeito ao asilo. Tais linhas ficam mais evidentes nas galerias de cura, hoje praticamente não mais visíveis.
     Outro aspecto importante e que certamente possuía uma função terapêutica eram os jardins.     Eles se localizam na parte direita do conjunto edificado e formam uma praça que era utilizada para o passeio e distração dos pacientes e também como local para recebimento de parentes, possivelmente as esposas e os filhos, em grande parte também separados em seus sanatórios próprios. Esse jardim chama muita atenção de quem frequenta o hospital até hoje em funcionamento e que ainda mantém na recepção a indicação de que ali funcionou o Hospital da Colônia Portuguesa do Brasil.
     *Pós-doutorando do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Doutor em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB/FAU/UFRJ); pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz / Ministério da Saúde. 
E-mailrgrc@coc.fiocruz.br

Imagem 1: Hospital-Sanatório da Colônia Portuguesa do Brasil. Vista do conjunto principal (Foto de Renato Gama-Rosa Costa).
Imagem 2: Vista das galerias de cura, localizadas na parte posterior da edificação. Intervenção de Luis Benavente ( Acervo institucional).
Imagem 3: Vista do que restou das galerias de cura (Foto de Renato Gama-Rosa Costa).
Imagem 4: Vista do jardim (Foto de Renato Gama-Rosa Costa).
Imagem 5: Foto da recepção do hospital onde está eternizada sua origem (Foto de Renato Gama-Rosa Costa).

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