BASÍLICA DE NAZARÉ: REFÚGIO, ISOLAMENTO, PATRIMÔNIO E (RE)CONHECIMENTO

Wagner J. Ferreira da Costa

O isolamento social em Belém do Pará firmado pelo Governo do Estado desde final de Março do presente ano, na tentativa de amenizar os efeitos nocivos a população causados pelo Coronavírus (COVID-19), pôs em evidência o quanto a cidade que criamos nos assombra e, em contrapartida, permitiu que vislumbrássemos o papel do patrimônio da Basílica Santuário de Nazaré em meio a pandemia, enquanto “refúgio”, que se faz (re)conhecer nos tempos atuais, mesmo que demarcada por uma certa “invisibilidade visiva”, dada a poluição visual do bairro de Nazaré e/ou pela assimilação das formas existentes por parte dos indivíduos da localidade compondo seu cotidiano, e, portanto, como algo “comum”.

No seu livro “Paisagens urbanas”, publicação de 1996, Nelson Brissac Peixoto descortina a dimensão da cidade contemporânea como uma justaposição, um cruzamento de espaços e tempos distintos que convivem no mesmo cenário, passando desapercebidos quanto a sua complexidade, em virtude do excesso de informação visual e pelo ritmo acelerado com que a metrópole é vivenciada por seus habitantes. O coronavírus, que teve seus primeiros alvos em continente asiático e se alastrou pela Europa, África e Américas, deu início a um movimento contrário, no sentido de que os indivíduos fizessem uma pausa brusca em suas atividades presenciais para conter o alastramento exponencial da doença, regra que não contempla aqueles que trabalham em serviços essenciais.

Imagem 01 - Contornos da basílica. Fonte: Wagner Costa, 2020.

Belém do Pará também participa das medidas de contenção através do isolamento social que propiciou enxergar outras realidades acerca de nossos espaços urbanos não tão evidentes a visão. A ausência do tumulto nas ruas da capital assim como pouca circulação de veículos revelou aos poucos que precisam se aventurar a realidade do ambiente construído o excesso de informação visual que a cidade apresenta comumente, formando “muros” que não propiciam sua apreensão e gama de relações, como apresentado por Nelson Peixoto ao falar de São Paulo, tornando-a ilegível, a cidade tornou-se um deserto, ou agora fez-se notar como tal, uma visão assombrosa de algo que, aparentemente, foi criado para durar a eternidade. 

Contudo, ainda que os ânimos estejam a flor da pele por conta da pandemia e o medo do contágio bata à porta, o distanciamento social também nos conduziu a relembrar a importância dos monumentos locais, mais estritamente aqueles que representam nossa cultura material a que chamamos de patrimônio, como a Basílica Santuário de Nazaré, enquanto pontos de “luz” em meio ao vazio da cidade, pois encenam sua “alma” como falou Peixoto. 

A Basílica belemense que teve seu início em Outubro de 1909 (Schiena,1978), sob regência dos padres barnabitas, foi tombado pelo DPHAC/SECULT desde o ano de 1992 como um bem de herança do povo paraense; no contexto atual destaca-se como um abrigo, local de refúgio, por se tratar da casa de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira do povo paraense. Embora o edifício não passe desapercebido àqueles que a avistam, sofre do que chamaremos de “invisibilidade visiva”, pois os indivíduos apenas conseguem enxergar seu contorno, pois notam sua presença, mas não de uma forma que permita entender sua força cultural e importância sugerida por seus traços e formas, que Peixoto anteriormente abordou em seu texto como a dificuldade de ver as relações dos edifícios que se apresentam à nossa frente; trata-se de um fenômeno de leitura causado pela saturação visual no caso do templo da Basílica em meio ao local do Bairro de Nazaré, onde está situado. 

Ainda assim, para os poucos que se arriscam a andar no “deserto” que se tornou a cidade, as torres da Basílica não somente guiam seus passos, contudo mostram-se como símbolo visual em um cenário aparentemente “morto”, figurando uma referência frente ao desnorteio e medo que a época presente sugere, um monumento que se permite (re)conhecer como local de redenção, um oásis em terras áridas representadas pelas ruas e avenidas vazias da cidade, reafirmando os escritos em latim na lousa acima da porta principal do templo: ”Domus dei et poerta coeli” (A casa de Deus e a porta dos céus). 

Nesta perspectiva, a experiência do confinamento nos faz refletir a abordagem de Peixoto, ao tratar a cidade como espaço de passagem, lugar de experiência, um testemunho cultural que, em meio a cegueira coletiva propiciada pela carga maçante de informações do contexto abordado, torna-se evidente, fazendo-nos voltar o olhar para nossos patrimônios como pontos de acolhimento e refúgio em tempos de crise, como a Basílica. 

Ao término deste processo desgastante, basta-nos esperar que a falta de contato com o espaço da cidade permita aos indivíduos (re)conhece-la através de seus monumentos representativos, não como objetos “comuns”, vistos como contornos sem conteúdo em um ambiente que nos é familiar, mas como faróis, símbolos de esperança que encerram nossa cultura material. A “peste” com certeza passará, e enquanto isso o patrimônio, a exemplo da Basílica, resiste como refúgio, ansioso por trazer sua luz e força simbólica ao olhar distraído dos habitantes de Belém, antes, durante e pós pandemia, ainda que, algumas vezes, não seja encarado como tal. 





REFERÊNCIAS 

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. São Paulo Senac/Fapesp, 1996. 

SCHIENA, Padre Vicente Maria Di. Guia da Basílica de Nazaré, em comemoração à 25 anos de coroação pontifícia da imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Belém-Pará, 1978. 



SOBRE O AUTOR CITADO COMO REFERÊNCIA BASE PARA O ENSAIO 

Possui graduação em Sociologia pelo Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1976), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(1980), doutorado em Filosofia pela Universidade de Paris I Sorbonne(1984), ensino-fundamental-primeiro-grau pelo Colégio Campos Salles(1965) e ensino-médio-segundo-grau pelo Colégio Mackenzie(1968). Atualmente é professor assistente doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo. Atuando principalmente nos seguintes temas: imagens, cidade.

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