O SANATÓRIO PARAENSE E O ISOLAMENTO DOS DOENTES EM TEMPO DE EPIDEMIA

Cybelle Salvador Miranda
Larissa Silva Leal



No dia 20 de março de 2020, a página oficial da EBSERH, empresa que administra o Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), publicou a notícia de que o hospital receberá pacientes infectados pela nova doença causada pelo Coronavírus, a COVID-19, responsável pela pandemia vivida atualmente. Diante deste fato, a evocação do histórico da instituição reitera o passado do HUJBB, marcado por epidemias desde o início de seu funcionamento, quando este ainda era o Sanatório Barros Barreto (SBB). 


Figura 01 - Notícia publicada no site da EBSERH. Fonte: Portal da EBSERH-HUJBB

Em fins da década de 20 do século passado, a tuberculose (conhecida também como Peste Branca) era responsável por mais da metade dos óbitos em todo o Brasil, sob a somativa de dois fatores: a situação sanitária das cidades brasileiras e a falta de instituições para tratamento da doença. Segundo Bertolli Filho (2001) a tuberculose, causada por uma bactéria (Mycobacterium tuberculosis) e também conhecida como bacilo de Koch, é uma doença infecto-contagiosa e que assume evolução crônica, que começa com uma lesão inflamatória na região subpleural.

As medidas de tratamento mais concretas, tomadas por parte do governo federal, chegaram em Belém somente em 1938, a partir da era Vargas e através do Ministério da Educação e Saúde Pública, criado em 1931 e, assim, deu-se início à epopeia do Sanatório Barros Barreto, cujo intuito era isolar os pacientes no terreno localizado no bairro do Guamá, mais afastado do centro da cidade e, que já detinha edificações assistenciais como o extinto Sanatório Domingos Freire

Figura 02 - Aeorofotografia do Sanatório Barros Barreto, demonstrando a extensão da área verde e à direita do prédio principal estava o Sanatório Domingos Freire, 1955 . Fonte: Acervo fotográfico da FAU, Laboratório Virtual - ITEC, UFPA, 2019.

A autoria do projeto do sanatório é desconhecida, entretanto, a Divisão de Obras atuava nos projetos e obras de sanatórios em todo o Brasil neste período e, deste modo, infere-se que o exemplar paraense pode ser de autoria coletiva, contando com contribuição dos engenheiros e arquitetos que atuavam na divisão. Além disso, o projeto arquitetônico fora replicado no Rio de Janeiro, com a construção do Sanatório Santa Maria, irmão gêmeo do sanatório paraense.

Primeiramente, vale esclarecer que as medidas anti-tuberculose por parte do governo brasileiro resultaram em equipamentos hospitalares como o preventório, o qual acolhia crianças em estado de pré-tuberculose a fim de evitar que estas viessem a desenvolver a doença; o dispensário, por sua vez, detinha o intuito de propagar medidas profiláticas através da educação da população, além da tarefa de descoberta de novos casos e proporcionar assistência médica e social aos pacientes; por fim, os sanatórios recebiam pacientes para tratamento e isolamento continuado.

No caso do sanatório paraense, o projeto previu um prédio monobloco com seis pavimentos em concreto armado, portando enfermarias com varandas abertas para exposição dos pacientes ao sol, cobogós (elementos vazados nas paredes) que permitiam a entrada de ventilação e iluminação natural, entre outras medidas advindas das influências da Arquitetura Moderna no Brasil com a racionalização das edificações. Entretanto, as obras foram interrompidas por falta de verbas mais de uma vez e, o sanatório passou a funcionar a partir de 1959, mais de vinte anos depois do início de sua construção.

A respeito do isolamento do sanatório e suas consequências, Iolete Souza, funcionária já aposentada do HUJBB (trabalhou entre os anos de 1959 e 2008) relata que houvera ocorrências de suicídios e fugas desde o início do funcionamento do sanatório, isto porque o isolamento social não era muito bem aceito entre alguns pacientes. Como tentativa de amenizar o isolamento e contribuir para o tratamento da tuberculose, o bosque natural que existia na área foi transformado no chamado Parque dos Eucaliptos, no qual foram plantadas árvores de eucalipto cujas propriedades medicinais contribuíam para o tratamento de doenças respiratórias. 

Neste contexto, fica claro que a epidemia de tuberculose fora a causa da construção do exemplar assistencial paraense, contudo, a edificação passou longe de presenciá-la. Isto porque em 1959 a cidade já não vivia mais a epidemia da peste branca e o tempo de tratamento havia sido diminuído, assim, o "hospital moderno" já nasceu ultrapassado.


Figura 03 - Fachada oeste do SBB ainda em construção. Fonte: Acervo fotográfico da Biblioteca do HUJBB, s/d.


O Barros Barreto seguiu diagnosticando e tratando ambulatorialmente os pacientes, até que a edificação passou por reestruturações físicas e assistenciais a fim adaptá-la às novas demandas, que incluíram a mudança de nome em 1976 para Hospital Barros Barreto (Hospital de doenças infecto-parasitárias), em 1983 passou a ser chamado de Hospital João de Barros Barreto, além da inserção de atendimento aos portadores de aids e doenças exógenas entre os anos de 1985 e 1988.

A década de 90 marca mais uma mudança institucional no hospital, quando este passa a ser vinculado à Universidade Federal do Pará, inaugurando também a quarta mudança de nome: Hospital Universitário João de Barros Barreto, e assim novas obras de readaptações físicas foram planejadas para esse período. Em 1991 chega em Belém a vivida de fato pelo Barros Barreto, causada por outra bactéria (vibrio cholerae) cujo alojamento acontece no intestino e causa a cólera, doença transmitida através do consumo de água ou alimentos contaminados e, segundo a antropóloga Jane Beltrão (2007) o primeiro paciente fora internado no Hospital Universitário João de Barros Barreto.

Vale esclarecer que a cólera estava em sua sétima pandemia mundial, sendo a segunda epidemia em Belém (ler Caridade em tempos de epidemia), iniciada em 1961 com um foco endêmico na Indonésia. A doença tratada pela última vez na cidade em 1855, era conhecida pelos médicos apenas através dos livros, demonstrando que a experiência no trato com a enfermidade fora adquirida durante a epidemia.

Beltrão observa que o governador do estado na época, Jader Barbalho, tentou minimizar a epidemia e seus efeitos, ao declarar que a doença não se constituía em uma fatalidade ou surpresa, entretanto, o mesmo não teria investido em medidas sanitárias a fim de prevenir que a doença se tornasse epidêmica. O mais curioso na epidemia atual é o fato de que o governador do Estado seja o filho do antigo governador, Helder Barbalho, assim, ao parafrasear o título do artigo da antropóloga Jane Beltrão, questiona-se: a história se repete? Neste momento, o olhar para o passado é essencial, como forma de aprender com os erros e acertos anteriores.

Ademais, no período atual restam incertezas e a espera do desenvolvimento de uma vacina e de algum tratamento para a COVID-19, enquanto isso, o Barros Barreto se vê diante da terceira epidemia em 61 anos de atendimento. Mas como aconteceu no passado, a equipe prepara a estrutura para presenciar e guardar as memórias de mais uma transformação social. Enquanto mundialmente o isolamento social é propagado como a medida mais eficaz para evitar a transmissão comunitária do vírus, o HUJBB demonstra experiência em isolar para evitar contágios e em tratamentos de doenças epidêmicas desde os fins da década de 50, dessa forma, o passado traz as esperanças de que tudo vai ficar bem.


PARA CONSULTAR: 

ABREU JÚNIOR, José Maria de Castro. MIRANDA, Aristóteles Guilliod de. O Sanatório de Belém: a epopeia – ou via sacra? – de sua construção. Revista Pan-Amazônica Saúde; 7 (2016), 13-25. Disponível em: http://scielo.iec.gov.br/pdf/rpas/v7n2/2176-6223-rpas-7-02-00013.pdf.

BELTRÃO, Jane Felipe. Memórias da cólera no Pará (1855 e 1991): tragédias se repetem? História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 4, suplemento, p. 145-167, dez. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702007000500007.

BERTOLLI FILHO, Cláudio. História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950, Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.

BIBLIOTECA DR. Alexandre B. dos Santos. Histórico: compilação de documentos. Hospital Universitário João de Barros Barreto, Universidade Federal do Pará. Belém, s/d. 35p.

BRASILEIRO, Carolina da Fonseca Lima. Arquitetura da tuberculose em Pernambuco: um estudo analítico dos dispensários de tuberculose de Recife (1950-1960) como instrumentos de profilaxia da peste branca. 2012. 221 p. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, CAC. Desenvolvimento Urbano. Recife, 2012. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/11138

COSTA, Renato da Gama-Rosa. Pavilhão Arthur Neiva Modernidade e Tradição. In: AGUIAR, Barbara. CARCERERI, Maria Luiza. MARQUES, Ana Maria (ed.). Arquitetura moderna e sua preservação: estudos para o plano de conservação preventiva do Pavilhão Arthur Neiva. Rio de Janeiro: In-Fólio, 2017, p. 42-58. 

PLANO DE REESTRUTURAÇÃO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO JOÃO DE BARROS BARRETO. Secretaria Geral dos Conselhos Superiores Deliberativos da Universidade Federal do Pará, 2010.

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