Imago Urbis e o parque naturalístico Mangal das Garças: um paralelo entre a arquitetura contemporânea e a culturalidade

Este ensaio foi selecionado dentre os ensaios desenvolvidos como avaliação da disciplina Estética das Artes Plásticas ministrada pela Professora Cybelle Miranda com a monitoria de Vithória Silva. Produzido pelos alunos da turma matutino: Ana Beatriz Dutra, Ana Beatriz Sousa, André Moraes, Dayane Vasconcelos e Maria Helena Vilhena. Cabe mencionar que os trabalhos são fruto da experência em ensino remoto emergencial, devido à pandemia de Covid-19, demonstrando a importância da não-paralização das atividades na Universidade (ainda que de forma remota) para o desenvolvimento da ciência, principalmente no que se refere à cidade de Belém. 


Em meio ao espaço urbano de Belém, foi criado o Parque Naturalístico Mangal das Garças no ano de 2005 pelo Governo do Pará. Localizado no bairro da Cidade Velha, banhado pelo Rio Guamá, envolto por parte do centro histórico e por bairros periféricos, ele busca representar as matas de terra firme, de várzea e os campos, com sua fauna. Apesar da cidade ser cercada por florestas, nem sempre é possível identificar isso. 

Embora se encontre próximo a uma das zonas de comércio mais intensas da cidade, esse espaço é sinônimo de calmaria, a mesma calmaria que Nelson Brissac Peixoto apresenta em Imago Urbis como sendo necessária para permitir uma reflexão profunda, que torna possível criar laços com o lugar e as pessoas ao redor. 

Famoso ponto turístico da cidade de Belém, surgiu como um projeto de revitalização de uma área de aproximadamente 40.000 m² e de valorização da paisagem Amazônica. O projeto foi idealizado pelo arquiteto Paulo Chaves Fernandes, então Secretário da Cultura, também envolvido em outros projetos de recuperação do patrimônio, tais como o Mangal das Garças e o Complexo Feliz Lusitânia.

Figura 01 - Parque naturalístico Mangal da Garças. Fonte: autores, 2020.

Ao adentrar as instalações do Parque, o visitante é transportado para uma atmosfera muito diferente da conturbada vida citadina, atmosfera essa que, para Peixoto, estaria presente nos templos da Antiguidade. Nesse aspecto, há um paralelo ao “espaço vazio” descrito por Nelson Brissac Peixoto (1996): “uma praça – onde se pudesse encontrar o repouso que requer reflexão. Tal como, nas cidades muçulmanas, à confusão e sujeira do bazar se contrapõe o santuário de silêncio da mesquita, instituir em pleno tumulto da cidade moderna um lugar de aeração, de purificação, de julgamento”. Esse trecho comunica diretamente com a proposta do Mangal das Garças de servir como “oásis” em relação à realidade urbana de grande parte de Belém. 

Peixoto fala também sobre como o excesso de nomadismo ocasionou a perda de lugar, pois, por conta desse, não se criam mais testemunhos culturais. Em uma era em que as cidades se tornam mais globalizadas, é necessário se ter um lugar que nos faça lembrar a cultura e as raízes do nosso espaço. Assim, é Mangal das Garças, que nos leva a fugir do urbano e passear por um espaço com características próprias da região amazônica.

Figura 02 - Mirante do Rio. Fonte: autores, 2020.


Apesar das críticas do autor quanto aos museus, os quais considera como mausoléus, e ao determinar que as obras não necessitam de adequações com as características históricas e tradicionais e considerando que a arquitetura é constituída pelo todo, tanto no presente quanto no passado, os edifícios estão, inevitavelmente então, marcados por seus períodos. Ademais, o escritor discute a ideia de a arquitetura ser muito mais que apenas um lugar, suas medidas vão muito além do espaço físico. Dessa maneira, o espaço citado se encaixa nessa afirmação, uma vez que a história representada no local é um de seus pontos principais.

O Mangal das Garças cumpre o papel de testemunho cultural e histórico tanto com os espaços que ele abriga, incluindo o Memorial Amazônico da Navegação que mostra a evolução dos meios de transporte da navegação na Amazônia e o Armazém do tempo, que proporciona várias exposições, quanto com a própria arquitetura, que tem muitas referências da arquitetura vernacular, vista em muitas de suas construções, como no restaurante Manjar das Garças, no Memorial Amazônico da Navegação e no Mirante do Rio, possuindo muito mais valor cultural do que se imagina, nos mínimos detalhes ali presentes.

Figura 03 - Memorial amazônico da navegação. Fonte: autores, 2020.


Figura 04 - Armazém do tempo. Fonte: autores, 2020.


O autor também atenta sobre o valor daquilo que vai além do que se vê. No capítulo Imago Urbis de seu livro “Paisagens Urbanas”, o filósofo declara “o que interessa não é aquilo que nelas se vê, mas o que não se pode ver” (1996.p. 262) e também se refere a Matisse e diz “não é só pelo olhar que se é convidado a percorrer o quadro, como na cena perspectiva, mas por todos os outros caminhos” (p. 268), assim quando cita a experiência do fotógrafo cego Eugen Bavcar. 

Quando se trata do lugar alvo de nosso estudo, essa afirmação se faz muito presente, pois o Mangal proporciona para seus visitantes uma imersão completa na cultura e ambiente característicos da Amazônia, quando se trata de sentidos. Por abrigar várias espécies de animais e plantas é possível explorar o local com outros sentidos além da visão, seja pela audição com os cantos das aves, o barulho do rio Guamá, ou pelo olfato, com cheiro das diversas plantas presente no espaço, ou até mesmo pelo paladar, com o restaurante situado no local.

Figura 05 - Viveiro das Aningas. Fonte: autores, 2020.


Figura 06 - Borboletário. Fonte: autores, 2020. 

O espaço apresenta também esculturas que, assim como Peixoto preconizava, são capazes de redefinir as características no local em que estão inseridas. A escultura em madeira "Lâminas d'água", do artista plástico Geraldo Teixeira, presente no Lago Cavername, é uma homenagem aos métodos tradicionais de construção das embarcações regionais que até hoje navegam pelos rios da região. Já a Fonte dos Caruanas exibe a escultura em bronze da artista plástica Sonia Ebling.


Figura 07 - Esculturas presentes no parque. Fonte: autores, 2020. 
Figura 08 - Esculturas presentes no parque. Fonte: autores, 2020.


Outro ponto de atenção para Peixoto em Imago Urbis diz respeito à visão que o observador tem ao caminhar pela cidade pelas vias retas, que não são capazes de oferecer pontos de vista diferentes em contraponto com as vias curvilíneas. Desse mesmo modo, é possível notar que os passeios do Mangal das Garças apresentam um perfil orgânico, como o curso de um rio, que dá ao visitante uma ampla visão do parque ao mesmo tempo que torna a caminhada uma nova descoberta de seus elementos, a cada curva.


Figura 09 - Vista panorâmica do parque. Fonte: autores, 2020. 

O escritor também diz que a arquitetura não pode ser vista de forma desassociada do seu entorno. Baseando-se em Aldo Rossi, Brissac Peixoto explica que a arquitetura está ligada a vivências e vai além do espaço físico; e projetar deve ter como objetivo proporcionar experiências. Analisando o espaço é possível identificar que um dos motivos para que foi construído é possibilitar uma vivência diferente do que o morador de Belém está acostumado. O projeto desse parque traz para a cidade a experiência e a memória da história e cultura da região em que moramos através de todos os seus elementos, a vegetação, os animais, a arquitetura com traços indígenas, o memorial amazônico, entre outros 

Dessa maneira, compreende-se os principais pontos de vista abordados por Peixoto em Imago Urbis mesmo ao trazê-los para o contexto amazônico, demonstrando sua pertinência, desde as artes, a arquitetura e a cidade. A vivência que rege e engloba todos esses fatores, evidencia também como fundamental a construção da paisagem, a integração do espaço e, principalmente, a criação dos "templos" na atualidade, sejam verticais ou mesmo horizontais em sua essência, ultrapassando as barreiras temporais e culturais.


Referências

Mangal das Garças, 2020. Disponível em: <http://www.mangaldasgarcas.com.br/>. Acesso em: 11 dez. 2020.

MERGULHÃO, P. T. P. A paisagem amazônica no paisagismo de Belém: caso Parque Naturalístico Mangal das Garças. Recife: UFPE, 2009.

MOREIRA, F. S. A.; NOGUEIRA, K. N. S. Análise do espaço público urbano: o caso do Parque Mangal das Garças. InterEspaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade, v. 5, n. 16, p. 1-3, 2019.

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: Ed. SENAC, 1996.

 


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